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O que é a teoria queer? [por Carmen Hernández Ojeda]

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Mensagem  Convidad Seg Abr 14, 2008 2:31 pm

O que é a teoria queer?
Carmen Hernández Ojeda

Monique Wittig, poeta, militante, ensaísta queer mais influente do último terço do século XX, acaba de falecer no Arizona aos 67 anos. Suas obras L'Opoponax (1964), Les Guérrillères (1969) e El Cuerpo Lesbiano (1973) revolucionaram o feminismo e a escrita sobre o desejo. Em El Cuerpo Lesbiano, Wittig explicita o desejo lésbico como nunca se havia feito até o momento, com uma linguagem que se rasga violentamente e que mostra a própria decomposição da subjetividade. Em 1970 Wittig participa da criação do primeiro grupo de lésbicas na França, Les gouines rouges (as lésbicas vermelhas). Em seu ensaio mais radical, "The straight mind" (1980), Wittig subverte a tradição do feminismo heterocêntrico, e inventa a expressão que a fará famosa no mundo inteiro: "as lésbicas não são mulheres". Nesta obra Wittig mostra como que "a mulher" é uma categoria política que surge no quadro de um discurso heterocêntrico. O pensamento de Wittig é um dos pilares fundamentais da teoria queer, razão porque, com o motivo do desaparecimento desta pensadora, oferecemos um artigo sobre este movimento.

O que é a teoria queer?

O que significa esta palavra que tanto custa traduzir para o português? Precisaríamos de muitas páginas para explicar os significados e as críticas deste termo e teoria (ainda que devêssemos dizer teorias, porque existem várias correntes) que lentamente está se instalando no mundo. Assim só pretendo abrir um pouquinho à panela de pressão na qual se encontra o conceito queer na cultura ocidental e darmos uma olhada pra ver o que existe dentro. Depois, se o apetite ou a curiosidade for aberta, existem muitos sites aonde continuar a busca.
Em primeiro lugar, o "queer" é uma resposta. Uma reação de um setor da população gay, lésbica, transexual e transgênero dos Estados Unidos ante o caminho que havia tomado o movimento homossexual mais influente. No princípio dos anos 90, essa frente mais visível, havia se convertido em defensora de um status conservador. Parecia que o movimento de liberação sexual se constituía somente de homens, homossexuais, brancos, de classe média alta, sãos... Super divinos. Todos iguais. O resto (lésbicas, maricas, drag kings, drag queens, sados, soropositivos, transexuais, não-brancos, etc.) existia apenas nas agendas dos lobbys homossexuais. Do espírito revolucionário de Stonewall ficava apenas nada: na busca por aceitação social, chegou-se a afastar aqueles que pudessem dificultar esse processo.
Mas houve gente que falou dessa situação e começou a se reunir, a refletir sobre a luta, a identidade e a diversidade. E daí surgiu o pensamento queer. Foram pegas idéias de Michel Foucault e de Monique Wittig, e pensadoras como Judith Butler, Eve K. Sedgwick, Donna Haraway e Teresa de Lauretis publicaram textos que questionavam diversos aspectos da teoria feminista e dos estudos gays e lésbicos, um processo que segue ainda em marcha.

O que significa "queer'?

Em seu sentido original, "queer" significa "raro", em inglês. Era usado como um insulto contra aqueles que estavam relegados as margens da sexualidade dominante (como "sapatão" ou "viado"), mas tem sido reapropiado por quem recebia esse insulto. Deste modo, foram convertidos - pela primeira vez - em produtores do discurso sobre sexualidade (as minorias sexuais sempre foram o objeto estudado, o "outro"). Agora são, como disse Beatriz Preciado, "o sujeito do discurso".
Um dos valores mais importantes da terminação é não ser algo estanque, essencial. Está em permanente evolução, como as pessoas. E essa é, também, uma das idéias em que estão de acordo os que usam a teoria queer: a identidade não é uma essência, mas algo contínuo. E o que quer dizer isto? Não é fácil de explicar. Possivelmente, se alguém nunca teve a pressão de se questionar quem é nos termos de sua identidade de gênero ou sexual, e ainda que o tenha feito, estas idéias lhe podem soar pretensiosas e também potencialmente daninhas. Mas somos muitas as pessoas que nos questionamos que os conceitos de homem e mulher são uma construção social. Que tudo é muito mais complicado do que nos dizem, que poderia ser o seguinte: um ser humano nasce. E em função de seus genitais (especialmente) e de seus cromossomos, lhe põem em um dos eixos possíveis. Um pacote as espera, o qual lhe acompanhará o resto de sua vida e que contém desde uma categoria de roupa até um "set" de valores (que são diferentes para cada grupo). Porém esses eixos não estão flutuando no ar: cada um está colocado em um extremo de uma reta. Dizem-nos que são opostos e diferentes: Homem e Mulher. A partir daí, segue o filme. Esses seres, desde seus eixos respectivos, estão destinados a atrair-se (heteronormatividade), a ter filhos e perpetuar a espécie.

Mas resulta que as coisas não são tão simples, que essa concepção se cumpre em algumas pessoas, mas não em todas. Isso faz com que algo considerado essencial, esperado, evidente, se demonstre como uma construção. Dizem-nos que as coisas sempre foram assim, mas é uma mentira. Vão se movendo, sem que as pessoas de cada época se dêem conta das mudanças.

A esta altura, graças aos movimentos feministas, existem mais questionamentos a esse "set", que se supõe próprio de cada sexo. Tanto no plano dos papéis e valores (mulheres fortes, homens que choram, pais que cuidam de seus filhos, homens que vestem e gesticulam de um modo considerado feminino e vice-versa, etc.) como no plano da identidade sexual. Mas, e esses dois eixos em si? Não poderiam ser uma construção também? Foi perguntado alguma vez por que o mundo está dividido só em dois sexos, homem e mulher, que se têm como opostos? Por acaso sempre foi assim?
Não. Não tem sido sempre assim. Thomas Laqueur explica como até o século XVIII existia um sexo: o homem; e uma versão imperfeita: a mulher. Considerava-se que tinham os mesmo órgãos genitais, mas no ser imperfeito estes não haviam se exteriorizado. Em algumas culturas consideram a existência de três sexos e alguns sexólogos chegam até a considerar a existência de cinco sexos na nossa cultura (Anne Fausto-Sterling).
Honestamente, pra mim dá no mesmo se existem uma, duas, ou quinhentas categorias… O importante é dar-se conta de que o modo em que se está dividido nosso mundo é uma construção, apesar de nos dizerem o contrário. E que essa construção é muito dolorosa. Especialmente para aquelas pessoas que não se encaixam nos moldes esperados. Sabiam que, segundo a Intersex Society of North America, um em cada 100 bebês não nasce com os genitais "esperados"? Mas em vez de usar esta realidade para questionar esse conceito de homem (pênis de determinada longitude, testículos e cromossomos XY) e mulher (vagina, mamas e cromossomos XX) que gravita em nossa cultura, se transforma a pessoa, sem seu consentimento, ao nascer. É como se alguém decidisse que só há dois tamanhos de sapatos possíveis e que em função deles só há uma coisa ou outra. Imagine que você vá provar uns sapatos e seu pé não encaixa em nenhum desses dois números. Em vez de fabricar mais tamanhos, o vendedor alargará o seu pé ou o encolherá como puder até que caiba em um dos dois modelos. Poderia escolher sair da sapataria e caminhar descalço, mas este mundo está cheio de cristais quebrados. E quando era um bebê nem sequer tinha a possibilidade de escolher. Alguém com uma roupa branca se encarregará de que encaixes. Como seja. Porém esta necessidade de demonstrar que somos um reflexo de um molde ideal afeta a todos. Porque não se finda só na questão genital (sexual): há que demonstrar continuamente que somos homens ou mulheres em nosso aspecto, papéis… (gênero). É o que Judith Butler chama de performatividade do gênero. Estamos construindo nossa identidade constantemente.

Ativismo e teoria

Poderíamos dizer que existem duas vertentes do queer: o âmbito teórico, com gente como Judith Butler, Teresa de Lauretis, etc., e a ativista, com grupos como ACT UP, Queer Nation... A influência que tem tido esta teoria no mundo acadêmico norte-americano é grande. Aqui conhecemos grupos como o LSD ou a Radical Gay nos anos 90, mas é agora que se está pensando o queer desde o âmbito acadêmico.
E o que é a teoria "queer"? Se me permitem a metáfora, é como uma lente para ver a realidade. Umas lentes bifocais, destas que te permitem ver distante e perto. Até agora, usávamos duas lentes importantes (entre muitas outras): as do gênero e as da identidade sexual. Quando falávamos de ser homem ou mulher, colocávamos as lentes de gênero. E quando mudávamos de apresentação e falávamos de homossexualidade e heterossexualidade, colocávamos as de identidade sexual. Pois com a teoria queer, temos tudo em um: quando analisamos um tema, nos fixamos em todos os aspectos que o configuram, não só no gênero e na identidade sexual, senão na construção étnica, de classe, etc., e como se relacionam entre elas. Queer, como ferramenta teórica, é sinônimo de questionar, de não dar nada por feito, nem sequer a própria teoria queer; ou não crer que existe apenas uma só verdade, ou que a identidade é algo compacto e imóvel. É uma forma de perceber a realidade, por isso se usa tanto no mundo dos estudos literários como no das ciências sociais.
A nível militante, queer é estar aberto à diversidade, a não esperar condutas normativas, a não definir o gênero de uma pessoa em função de suas genitálias, a questionar as hierarquias, o modo que nos apresentam o mundo, a enxergar outras realidades... Cada um faz sua própria leitura.
O que aprendi desde que comecei a ler, a debater e a ver o mundo com estas lentes queer, é a somar de verdade. Nunca havia entendido o conceito de diversidade até que fui consciente da assustadora quantidade de identidades que nos rodeiam e de como minha própria identidade não encontra definição possível com uns termos e classificações caducas. Os sigo usando, por questão prática e política, mas não são suficientes para explicar quem sou. Somos milhões de pessoas para tão poucas lacunas: homem ou mulher. Homossexual, bissexual ou lésbica. Em minha interpretação queer não pretendo eliminar as categorias existentes, isto é subtrair, e sim construir outras ou defender o direito a não ter que se encaixar em nenhuma. A única luz que tenho é que isto é um jogo e nós somos as peças. E nós vamos deixando a vida nele...

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Mensagem  criss Ter Abr 15, 2008 11:00 pm

Bruna muito bom o texto sobre um assunto que infelizmente ainda hoje é muito desconhecido.
Realmente é muito triste termos que ter um rótulo, termos que escolher um lado e é justamente essa escolha que
nos traz tantos sofrimentos e conflitos desnecessários.
Valeu !!!
criss
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Mensagem  Convidad Qua Abr 16, 2008 4:42 pm

pois é. mas é importante a gente saber que o rótulo seria na verdade apenas um posicionamento político e não um estilo de vida ou forma de se portar. assim como que o gênero [e suas características secundárias] são construções sociais extremamente repressoras e não abrangem o todo.
por fim, creio que é realmente importante combatermos essas construções. não derrubá-las, claro que não! mas sim viver de forma a mostrar que existe muito mais. que a dita 'orientação sexual' não se ramifica em três grupos, mas sim em 6,6 bilhões, pois é individual e única. assim como o gênero. acho realmente importante estarmos sempre somando novas sexualidades, até porque esse atual sistema tem se mostrado ineficaz. e aí está o queer como uma uma resposta a isso.

e obrigada! adoro esse texto também e achei que seria bom propagá-lo.
;]

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